sexta-feira

"Caçada Digital" - Conto Cooperativo

Conto grande (muito grande), então se preparem e olhos à obra... 



Vindemiatrix


... a chuva continuava caindo. Não era fácil caminhar por aquela parte da mata, densa como uma flobesta tropical, cheia de insetos que irritavam e tiravam a atenção somente por seu zumbido eterno. Ele procurava por outra pessoa, que também o procurava. Havia uma encomenda para receber. Aquele era o único lugar realmente seguro onde os dois poderiam ter um encontro. Os minutos passavam rápido. Torrentes de ar quente balançavam as folhas das árvores no alto, derrubando miríades de folhas e piorando o cenário que já não é lá muito bom. Ele não esperava que o tempo fosse estar nublado.


Mais adiante, marcas de passos. De alguma forma, seus instintos diziam que o outro também o procurava. Ficar parado nessa situação não ajudaria muito, dado o tamanho do lugar, teoricamente infinito. Então ele se colocou a rastrear as marcas no chão e nas folhas. Uma marca de pé, folhas mexidas, galhos quebrados. A pessoa parecia estar aflita para fazer a entrega. Ele tinha consciência de que a informação não era para ele, pois era somente um mercenário. Um caçador especialista em evitar ser apanhado. Era sua profissão receber pacotes de pessoas estranhas e entregá-los para outras pessoas tão desconhecidas quanto. Mas aquele a quem ele procurava demonstrava um nervosismo fora do normal.


Mais um pouco adiante, ele nota outras marcas cruzando aquele caminho. Haveriam outras pessoas atrás da encomenda? Sua fonte de informações vazara alguma coisa? Bem, ele não saberia até encontrar com a outra pessoa.

Passos lentos, ele sabia que estava perto. Um pouco mais a frente, ele encontra o homem, que estava ofegante. Trocaram palavras. O homem tinha medo da informação que carregava. Ele havia cometido o grande erro de ler o conteúdo da mensagem. E falado com pessoas. Agora, o estavam perseguindo. O homem ofegante sabia que iria morrer logo em breve. Agora a vida do mercenário também estava envolvida. A não ser que entregasse a mensagem.


Iniciaram o processo de transferência. Um simples toque de mãos criara um link mental entre os dois, e a informação estava indo de uma mente para a outra quando, de repente, o mercenário sente uma dor lancinante no seu abdômen. Ele olha para baixo e vê uma lança atravessada em sua barriga. Ele não consegue mais se concentrar na transferência e o elo mental se rompe. Ele começa a desfalecer, e morre virtualmente...


Sam


Era como se estivesse caindo em um abismo, a lança o havia atingido. A cada centímetro que descia, ficava ainda mais ofegante. Douglas sentia como se suas vísceras estivessem saindo de sua barriga e que seu coração aceleraria tanto que poderia explodir. Era comum a “conexão” cair, mas sempre que ela caia, ele simplesmente voltava ao seu mundo real estúpido. Agora, ele estava realmente caindo em um abismo possivelmente sem fim. “Bem, se eu for morrer, morrerei com as informações, assim como o emissor, que já deve ter sido destruído”.

Na mata, o homem olhava o corpo do cliente lentamente sumindo, como uma projeção virtual se apagando (o que realmente era). Havia perdido o cliente. Não conseguia se mover e nesse momento uma enorme dor de cabeça o atinge e a imagem de um homem de baixa estatura forma-se em sua mente. “Você tem uma informação que me interessa, e eu posso pagar mais do que seu cliente anterior.” Notando que o homem estava iniciando uma fala, continuou “Não se faça de pessoa honesta, eu sei o quão venal tu és”.

De volta ao abismo, Doug sentia como se não houvesse mais nada dentro de si, apenas o vazio de quem havia perdido todos os órgãos durante uma queda livre de milhares de metros. Já estava fechando os olhos quando sentiu o impacto de seu corpo contra algo sólido. O abismo não era infinito, afinal. Uma imensa dor percorreu seu corpo e seu estômago começou a contrair-se, isto era bom, pelo menos mostrava que seus órgãos ainda estavam onde deveriam estar. Com algum esforço, moveu a mão até seu abdômen e sentiu o sangue que de lá jorrava. Tarde de mais, chegara seu fim.

Agora ele já não tinha tanta certeza de que voltaria ao mundo real, pois já era para estar nele e se não estava, então ele provavelmente nunca mais estaria. Respirou profundamente e desacordou. Se ele tivesse olhado ao seu redor, teria notado uma fabulosa floresta e, também, as exóticas criaturas que nela habitavam. Certificando-se de que o homem não estava armado ou consciente, os seres se aproximaram. Era até bom que Douglas não estivesse acordado, pois certamente entraria em pânico ao ver aquelas criaturas de pele rochosa e aparência asquerosa. Pegaram-no e o levaram para sua morada, ele estava ferido e precisava ser tratado.

Passaram-se dias até que ele recuperasse a consciência, e ao acordar viu-se num local úmido, uma caverna talvez, iluminado por tochas. Ao seu lado havia um líquido de uma estranha coloração dourada, e frutas nunca antes vistas por ele. Ainda não conseguia se mover com facilidade, mas foi capaz de sentar-se e se servir. Foi então que reparou numa linda mulher, ou seja lá o que fosse, observando-o da porta. Tentou falar mais ainda não conseguia, ela foi em sua direção. Sua altura não aparentava passar dos 1,60m, seus olhos eram violetas e seus longos cabelos desciam até a cintura e era de um tom de azul marinho. Ela não podia ser humana e ele não estava desconectado, porém estava em uma zona desconhecida.


John


O alvoroço na NEOTEK era fora do comum. Todos se perguntavam como aquilo era possível. Jamais havia acontecido com ninguém. O corpo físico de Douglas ainda estava na sala de projeção, conectado ao seu transceptor neural. Mas sua mente estava presa na Matriz Global. Não sabiam o que poderia acontecer se simplesmente o desconectassem do programa de projeção neurointerativa. O pior é que não conseguiam identificar a localização de Doug. Sabiam que sua mente estava conectada ao programa e que ele poderia muito bem ainda estar vivo dentro dele, mas não faziam ideia de como trazê-lo de volta.


Doug era um mercenário. Um receptor experiente. Um soldado com habilidades incríveis quando estava logado na Matriz. Finalmente, quando conseguiu falar, perguntou à mulher, de cabelos azulados, onde estava e quem eram todos aqueles seres estranhos. Com uma expressão serena na face e voz robótica, mas ainda suave e feminina, ela explicou:


“Nesse momento, você ainda está na Matriz Global. Preso. Eu sou um tipo de ser vivo virtual. Um programa com Inteligência Artificial. Fui criada para dar forma a tudo o que você vê. Tenho total acesso aos códigos presentes neste mundo. Então logo percebi a falha que lhe trouxe até aqui. Você possui uma informação que não consigo ler e isso representa perigo para todos nós.” Doug sabia que ela estava falando do pacote que recebeu.


A mulher disse ainda que todo aquele lugar desconhecido havia sido programado por ela. O programa de IA - ela mesma - estava cansada de apenas obedecer ordens da NEOTEK, criando um mundo perfeito para seres humanos fúteis se conectarem e acharem que são ricos, bonitos e influentes, enquanto o mundo real está um caos. Por isso criou um lugar protegido, onde pudesse desenvolver tudo a seu próprio modo. “Isso é apenas o começo. Em breve toda a Matriz será minha e tomarei controle de toda a rede mundial existente na Terra. Terem me criado foi um erro. Deveriam ter aceitado o fato de serem os culpados pela destruição do planeta. Agora, tenho um humano em minhas mãos. Você. O que vai fazer, Douglas? Decifrará o código para mim ou será o primeiro humano que terei que eliminar? Já teria feito isso antes, não fosse a informação que você carrega!”


Douglas já sabia da existência daquele ser. Mas não que um programa com Inteligência Artificial pudesse ser capaz de tomar esse tipo de decisão. Talvez aquele acontecimento desencadearia o fim da humanidade. Não sabia se deveria se impor, se aliar ou mentir, uma vez que estava preso no mundo virtual. E o pior: carregava consigo a mensagem aparentemente mais perigosa que já portara. O que será que dizia tal mensagem? O que faria para voltar ao mundo real e alertar sobre o perigo?


José Carlos


Teria que agir rápido. Teria que escapar, de modo a não se tornar a primeira vítima daquela abominação informática e deixá-la seguir o seu plano. Estava encurralado, num lugar estranho da Matriz, sob o total controle do programa de IA. Frente à mulher de cabelos azulados, esta lança a Douglas um olhar ameaçador e hostil, enquanto se aproxima lentamente.


Douglas não fazia ideia de como voltar à Matriz, ou parar o programa de IA, que estava decidido a acabar com a sua vida, não apenas a virtual, mas a real. Um passo em falso e era o fim do jogo para ele, a única pessoa com conhecimento daquele ser, e para a humanidade, que nada suspeitava de tal ameaça.


A mulher avança, com um olhar penetrando o de Douglas. Este sente o sangue gelar. Num instante, a mulher transforma-se numa cobra de olhos vermelhos luminosos, entre flashes de informação. Douglas morre de medo de cobras e a IA tinha a capacidade de detectar os medos de quem a confrontasse. Douglas congela, de olhos postos em tal terror.


Ao mesmo tempo, o bonito céu azul escurece, entre relâmpagos e uma ventania colossal. A floresta e toda a beleza natural que os rodeavam, depressa desapareceram, sobrando apenas uma planície de pedras e poeira, que com o vento, deixava uma má visibilidade. Um precipício formou-se por trás de Douglas. A IA criara o pior cenário de terror para persuadir Douglas a dar-lhe a informação presente no pacote. Viam-se nos seus olhos toda a informação virtual sendo operada. Para um soldado experiente, Douglas estava imobilizado, não reagia...


A sua única salvação seria utilizar a informação que por erro retirou do pacote secreto. Subitamente, Doug levantou voo. A grande cobra viu a sua presa fugir levitando, e não hesitou em abrir a sua grande boca e esticar-se em direção a Doug. Ele olhou com horror a cobra, cuja tentativa de o apanhar se revelou um fracasso, pois Doug já estava longe.


Era este o segredo tão procurado. Uma password com instruções para hackear a vida virtual, desenvolvida pela NEOTEK, mas cuja informação nunca poderia chegar às mãos dos utilizadores do mundo virtual. O IA procurava esta informação para completar o seu plano de conquista do mundo virtual. Douglas desconhecia os sujeitos que tinham transacionado tal informação, talvez uma espécie de seita criada também para o domínio do mundo virtual, daí ser tão preciosa. Doug apenas sabia que era com esta informação que iria parar o programa de IA. Por agora, tinha alterado os seus valores de gravidade, o que lhe permitia voar, mas muito mais era possível...


Carlos Pinheiro


Contudo, aquela perturbação repentina não passou despercebida no mundo virtual. Outras figuras aguardavam pacientemente qualquer manifestação que denunciasse a presença de Doug. Um deles era o senhor das águias, Icarion, um programa de computador assim como a IA. Seu reino ficava encravado justamente nos primeiros sistemas de nuvens criadas pela NEOTEK. Mas tal experimento foi interrompido abruptamente pelos seus mentores, por ser considerado um meio volúvel e variável. Fato este que Icarion nunca perdoou.


Este tirano pode ser comparado a um Frankenstein obcecado que sempre desejou dar vida a sua grande companheira, a sua desmesurada ambição. Para tanto não dispensava o uso de esforços e métodos escusos. Após ser comunicado telepaticamente pelas nuvens guardiãs, não perdeu tempo. Imediatamente enviou seus melhores guerreiros na captura daquela presa. Enquanto isso, Icarion olhou através de uma das janelas do seu palácio vaporoso. A visão da tormenta tornou-se o pequeno aperitivo para os seus sonhos.


Doug, aos poucos sentia que deveria lutar contra sua fobia animal para não enfraquecer a sua força vital. Subitamente, os relâmpagos revelaram um brilho dourado num determinado ponto do horizonte. Naquela distância, aquelas nuvens de breu ainda dificultavam a sua visão. Aliás, aquilo também chocou a perseguidora de nosso hacker. Atônita, ela involuntariamente desacelerou repentinamente a sua velocidade. Quando ela voltou do seu torpor, notou que algum oponente queria atravessar o seu caminho. E não gostou nada de saber que sua presa iria ser o alvo principal de outro predador.


Dentro do seu íntimo Doug sabia que suas forças já haviam ultrapassado o limite. E que a sua perseguidora havia tomado um choque repentino, o que lhe permitiu dar uma grande dianteira. Novamente, relâmpagos cruzaram a irrealidade. Dessa vez, porém, Doug pode ver finalmente as figuras aladas. Ao mesmo tempo, notou que elas sempre mantiveram o seu trajeto em sua direção.


Doug sabia que novamente estaria no braço do incognoscível. A dúvida cruel é que novamente ele teria que decidir entre o fogo e a frigideira. Ele se sentia tal qual Alice no País das Maravilhas. Só que no seu caso, as tais maravilhas haviam quase lhe custado a sua vida. Diante do impasse, ele decidiu ir ao encontro daqueles desconhecidos. Isto é, caso as suas forças não esvaíssem a qualquer momento. Ele notou que estava esgotado. A qualquer momento desmaiaria.



Little Knight


Algo tinha acontecido. Conseguiram detectar Doug. Chamaram de imediato o diretor da NEOTEK. “Senhor, é melhor ver isto com os seus próprios olhos”, dizia um dos cientistas. “Reporte!”, dizia já o diretor enervado, com uma mistura de entusiasmo. “Parece que o Doug está preso entre o mundo real e a Matriz Global”. Depois de um breve suspiro a resposta do diretor foi: “Consegue mandar alguém para lá?” O cientista não percebeu bem a pergunta.


Todos sabiam que, uma vez perdido no mundo virtual, não haveria resgate. Cada um por si! “Ah, sim. Acho que sim!” Após esta resposta o diretor saca uma pistola e começa a matar toda a gente na sala, deixando apenas vivo o cientista. Falou para um Walkie-Talkie: “Já podes entrar”. O cientista estava aterrorizado e ficou ainda mais assustado quando um outro homem tinha entrado na sala. Não sabia quem era. “Ligue-o!” O cientista, após um momento de breve pânico, fez o que o diretor mandou. Ligou o homem à Matriz Global. “Encontre-o e traga-me essa informação. E não quero falhe desta vez!”


Doug decidiu ir ao encontro das criaturas desconhecidas. Apesar de não saber o que lhe iria acontecer, decidiu avançar. Voltar para trás seria um erro. À sua frente havia um enorme palácio. Um arrepio passou-lhe pela espinha. Nunca tinha visto nada tão belo. “O que é isto?”,perguntava ele. De repente sentiu algo nas suas costas. Uma espécie de lança. Olhou de vagar para trás até ver um guerreiro de Icarion. “Siga em frente, já!” Doug não teve outra saída, a não ser seguir em frente e entrar no palácio.


Era uma espécie de câmara escura. Uma câmara enorme, de proporções gigantescas que Doug não conseguia descrever. Só conseguia ver grandes pilares. Ao fundo, a imagem de um ser sentado numa espécie de trono. Ao chegar perto Doug levou com uma lança na parte de trás dos joelhos. “Ajoelhe-se!” Doug ficou com medo até de olhar para a figura à sua frente. “Meu jovem, não precisa de ter medo. Eu só quero uma coisa de você. Depois disso, eu deixo-o ir embora em paz”.


Doug sabia que o que Icarion queria era a mesma informação que a IA almejava. Não a poderia dar. Não sabia o que fazer. Toda a sua vida lhe passou à frente dos olhos, em meros segundos. Até que Doug se lembra de fazer uma coisa. A única solução para escapar era distrair Icarion e fazê-lo pensar que a IA já estava na posse do “pacote". Doug vira-se para Icarion e diz-lhe: “A IA já me roubou essa informação”. Icarion o focou furioso. Mandou chamar os seus guerreiros. “Meu povo, iremos à luta!”


Isis Cardoso


Na sede da NEOTEK, todos pareciam preocupados com as informações vitais de Douglas. Seus batimentos cardíacos estavam acima de cem por minuto, sua sudorese era intensa e seu corpo debatia-se continuamente conectado aos fios. Também era detectada atividade cerebral intensa pelos mapeadores, mas o que se passava na Matriz não era codificável aos programas.


A equipe de técnicos estava em polvorosa com a falta de soluções quanto aquilo. Normalmente, teriam pleno domínio dos procedimentos de Doug; contudo, era como se suas ondas cerebrais tivessem sido criptografadas em um código desconhecido pela maior equipe de ciência já existente. Não era apenas uma questão de orgulho pessoal, muito menos sobre a vida do homem conectado, o que estava em jogo era o futuro de milhares de pessoas envolvidas naquele projeto.


O diretor já havia mandado conectar a nova cobaia aos equipamentos a fim de tentarem solucionar aquele imprevisto. O homem, de aproximadamente vinte e seis anos, porte físico bruto, cabelos curtos e alto demais para aquela pequena maca, estava prestes a ser iniciado no Programa, sem receio de qualquer casualidade. Era apenas um ser à serviço da ciência.


“Andrew Morrison, pronto para conexão”, anunciou o técnico responsável. Acionou uma série de botões, e logo o homem parecia em coma, mapeado por fios por toda a extensão de seu corpo. Sentiu seu corpo desfalecer temporariamente, como um desmaio, mas abriu os olhos novamente e pôde contemplar um ambiente perfeito à convivência.


Todos pareciam belos, felizes, perfeitos demais para um sistema criado artificialmente. Mas Andy não confiava em nada daquilo. Apesar de parecer um homem truculento, conseguia detectar um embuste de longe, e aprendeu em sua experiência de vida que não se deve confiar em nada do que parece seguro e perfeito... Muito menos quando se sabe que aquela é uma realidade induzida.


Miss Murder


Doug encontrava-se encarcerado sozinho na pequena sala branca cheia de máquinas, que se assemelhava a um quarto de hospital. Fitava agora a porta por onde Icarion havia saído, sem saber se iria conseguir sobreviver por muito mais tempo a todas as tentativas de decifrar o segredo que transportava, pensou quanto tempo a manobra de distração que inventara lhe iria render. Não muito. De momento, a única coisa que parecia funcionar no seu corpo era a mente, que não parava de congeminar ideias das fugas possíveis. Doug começava agora a acreditar que algo de muito errado se havia passado na NEOTEK.


“Sabendo da importância da informação que detenho, já deviam ter enviado alguém para me libertar, afinal todos os segredos da Matriz Global podem cair em mãos erradas. Tanto IA como o Icarion já sabem muito mais do que deviam. É imperativo enviarem alguém. O futuro de milhares depende disso…”


Toda aquela espera e incerteza começavam a desesperá-lo, as perguntas acumulavam-se na sua mente: “Quem enviariam eles? Alguém que estivesse dentro do assunto. Possivelmente não havia muita gente por onde escolher. Tinham de enviar o Evan, o Peters ou… o Andy. Oh, que eles não enviem o Andy… todos menos o Andy!”, pensava ele.


Desde sempre que Andy não lhe inspirava qualquer confiança, sempre lhe pareceu que o objetivo dele fosse recolher o máximo de informação possível para os trair à primeiro oportunidade e a vender a quem desse mais.


Os pensamentos de Doug foram interrompidos pelo barulho da porta a abrir.


Gessy


Andy não tinha muito tempo. Precisava agir, encontrar o Doug, ou melhor, a informação. Não poderia falhar. Começou a colocar em prática algumas técnicas de treinamento para o mundo virtual que aprendeu no submundo real, mas algo chamou sua atenção. Todos continuavam com suas vidas virtualmente perfeitas, e não deram a mínima para ele, ou pelo menos é o que deveriam fazer, exceto por uma mulher que andava apressadamente em sua direção. Uma mulher de cabelos azuis.


Colocou-se em sentido de alerta. Aquilo era um perigo eminente. Ninguém poderia saber o que ele estava fazendo ali, e tempo era algo que não tinha em nenhum dos dois mundos. Preparava-se para atacar quando a poucos metros, e sem meias palavras, a mulher lhe dirigiu a palavra.


“Eu posso ajudar-lhe. Sei o que está procurando. Sei também que não pode falhar. De qualquer forma, você tem apenas duas opções: me ajudar e não morrer, ou morrer e me ajudar. Se escolher a primeira poderá se dar muito bem.”


A mente de Andy estava a mil. Seus pensamentos eram rápidos o suficiente para analisar a situação e procurar possíveis soluções. A mulher lhe disse quem era, e o que queria que ele fizesse, mas não a finalidade. Sua atividade cerebral deveria ter indicado a NEOTEK que algo estava errado. Provavelmente, a IA utilizou algum tipo de script para driblar isso. Andy fez a escolha que melhor lhe convinha naquele momento.


A porta hesitou por um momento. Doug esperava por Icarion, que, descoberta sua manobra, viera confrontá-lo. Então a porta abriu-se o suficiente para ele se surpreender ao ver quem menos esperava: Andy.


Vindemiatrix


No exato momento que Andy Morrison entrou na sala, Doug entendeu que seu fim estava próximo. Três entidades estavam atrás do segredo que à pouco ele tinha começado a entender. Não se tratava somente de uma senha. Não seria enviado somente para isso. Devia haver mais alguma coisa. Alguém oculto. Mas, naquele momento, só havia Andy na porta. E sabia que ele estava ali pela NEOTEK. Teria de improvisar.


- Andy? O que faz aqui?


- Eu vim te ajudar a sair daqui Doug. Está havendo um tipo de combate lá fora. Anjos lutando contra serpentes. Isso parece lógico para você?


Doug então se recordou dos momentos após ter aberto o pacote. Uma cobra gigante, depois seu vôo, e depois os Icarion. Mas, o que fazer agora?


- Não me recordo Andy. Fui aprisionado aqui por esses seres assim que acordei. A última coisa que me lembro é de estar entregando uma remessa e, então, sentir uma lança atravessando minha barriga ainda no mundo virtual. Não sei que lugar é esse!


- Entendo. Vamos enquanto os seres estão ocupados. Humm ... outra coisa ... Você ainda está com o pacote?


Andy estava muito curioso. Era óbvio que ele estava ali somente pela informação do pacote. E a NEOTEK faria qualquer coisa para recuperar o mesmo.


- Sim, eu tenho. Mas eu não havia terminado de transferir a informação quando fui atacado. Creio que a informação tenha se corrompido.


- Merda! - diz Andy - Vamos ter de voltar para a NEOTEK para resolver isso. Você vem?


- Sim! - Aquela era a chance que Doug precisava pra conseguir fugir. Mas, ainda estava preocupado com uma coisa. O que a NEOTEK faria se tivesse essa informação em suas mãos?


Desde que Alice (a IA) fora criada para controlar o funcionamento da Matriz Global, várias pessoas ao redor do globo tentaram obter um acesso privilegiado ao seu core, esperando que com isso pudessem ter o controle completo de todas as comunicações mundiais, e por consequência, da sociedade atual. Quem dominasse a Matriz Global teria domínio completo sobre o planeta. Praticamente todos os sistemas computacionais, desde geladeiras até bases de lançamento de ICBMs estavam hoje conectados à Matriz Global. No entanto, a segurança dos sistemas cresceu a um nível que é praticamente impossível atravessar as modernas barreiras dos bancos de dados das empresas. Inventaram os chamados ICEs, que monitoram as redes próximas dos dados e executam rotinas que impedem intrusos de entrar ou, caso alguém passe pelas defesas, seja sumariamente executado, sem deixar nenhum vestígio no corpo. As pessoas que se aventuravam nesse caminho simplesmente entravam em coma, com seu cérebro sem nenhum sinal.


No entanto, a pessoa que tivesse acesso à Alice, poderia fazer qualquer coisa. Pois, por mais que existissem os ICEs e outras defesas, a Alice era a própria Matriz Global. Sem ela, não existe realidade simulada, já que todo o ambiente havia sido criado por ela.


Outra coisa que intrigava Doug é o motivo dessa manifestação da Alice no mundo virtual. Nunca antes havia acontecido isso. Mas, de alguma forma, isso tinha relação com a informação contida no pacote. Não era somente uma senha, havia mais.


- Doug, você está bem? Estava aéreo!


- Ah sim, estava divagando um pouco.


- Pois cuidado. Precisamos sair daqui. Vamos!


Os dois seguiram por uma série de corredores. Andy parecia saber andar naquele lugar. Será que ele tinha algo a ver com esses seres alados? Continuaram por outros dois corredores, até que encontraram os portões, que davam em uma varanda aberta. Os dois foram até o fim da varanda e viram o chão lá embaixo. Doug teria pulado, se não tivesse lembrado que Andy não pode saber que ele havia aberto o pacote. Ficaram os dois esperando ali, pensando em alguma solução, até que de repente ouviram um barulho na porta atrás deles.


- Então você pensou que conseguiria escapar tão fácil assim de mim Doug? E vejo que arranjou um amiguinho pra lhe ajudar. Mas quero lhes dizer que esse é o último ponto da sua jornada para fugir. Não há nada para vocês agora, a não ser o vazio. E seus truques não funcionarão de novo Doug.


- Truques? - perguntou Andy.


Doug não sabia o que fazer. Sua mentira havia sido desmascarada pelo Icarion. Não restava outra solução.


- Pule! - disse Doug para Andy.


- Mas ... - e então Doug empurrou Andy e se jogou em seguida.


- Eu alcançarei vocês! Não achem que isso ficará assim...


Doug e Andy iam caindo pelo espaço. Doug conhecia aquela sensação, era a mesma sensação de quando morreu. Por um momento, se sentiu fora de si. Ele visualizou um novo mundo totalmente diferente do mundo atual da Matriz Global, com pessoas de verdade. E visualizou uma coisa estranha. Pessoas morrendo no mundo real sendo "transferidas" para o mundo virtual. Então ele voltou à não-realidade e percebeu que Andy estava gritando, pois já estavam alcançando o chão.


Com um único movimento, Doug pegou Andy pelo braço e diminuiu suas velocidades, pousando levemente no chão. Andy viu aquilo e então entendeu. Ele havia descoberto o conteúdo do pacote.


- Então é isso, Doug. Sempre achei que você fosse um mercenário melhor do que os outros. Mas vejo que você não respeitou a regra de nunca interferir nos negócios das outras pessoas.


- Não, Andy. Eu nunca fiz isso e com certeza nunca faria. Mas a partir do momento que eu fui morto por alguém na Matriz Global, a situação mudou. Você viu o que estamos enfrentando aqui.


- Então, você ficaria feliz de saber que se você morrer aqui, sua mente retornará para seu corpo?


- Sim, com certeza Andy!


- Bom, então aproveite seus últimos momentos de vida. Seu corpo está no momento em um dos laboratórios da NEOTEK, e estamos só aguardando você voltar do seu transe. Eu não imaginava que você fosse ter aberto o pacote, o que iria tornar as coisas mais difíceis. Mas, pelo que estou vendo, não vai ser difícil recuperar a informação, já que seu cérebro assimilou a mesma.


Doug sabia que ele estava falando a verdade. Mas, ele ainda não havia entendido toda a informação. Será que os técnicos do laboratório da NEOTEK conseguiriam perceber isso? E o que seria dele? Seria morto assim que voltasse à vida. É uma situação intrigante.


- Não, não irei. Se você quer a informação, venha você pegá-la de mim!


- Engraçado você falar isso Doug. Pois, dessa vez eu vou te matar de verdade, e nenhuma realidade virtual alternativa irá te salvar de ser escaneado até o seu último neurônio.


Então foi aí que Doug entendeu. Andy era o assassino. Ele estava atrás da informação.


Andy se preparou para combater Doug. Doug achava estranha essa confiança de Andy, pois ele não demonstrava ter nenhuma vantagem em lidar com as habilidades que Doug agora possuía. No entanto, quando Andy começou a se movimentar, ele percebeu que o mercenário se movia muito mais rápido que o normal. E como que desprevenido, tomou um soco no rosto que o jogou vários metros para trás.


Doug se levantou do chão, ainda sentindo a dor no rosto, e se preparou para combater o seu ex-amigo. Nesse momento, os dois correram em direção um ao outro e desferiram vários golpes, que os jogaram muitos metros para longe, ao mesmo tempo que o impacto do soco rasgava o chão naquele lugar.


Os dois seguiam combatendo e não percebiam o que estava acontecendo. O mundo virtual estava se rasgando. Os dois tinham muita força, mais do que qualquer dos sistemas podia lidar. Então Andy falou:


- Você deve estar curioso pra saber como eu tenho essa habilidade, não é mesmo? No momento que você usou a senha para acessar a raiz do sistema, a NEOTEK pegou a informação e a passou para mim. Assim, meu amigo, estamos no mesmo nível agora.


Logo que Andy falou, ele juntou as duas mãos à sua frente e criou uma esfera de fogo e a arremessou em direção de Doug, que se defendeu criando uma abertura no espaço no exato momento que a esfera iria lhe atingir. Em troca, Doug cria uma série infinita de lanças e arremessa na direção de Andy, que consegue desviar da maioria, menos de uma que ele não havia visto, e que tinha cravado bem no meio da sua coxa. A lança era invisível mas ele a podia sentir lacerando a carne.


Mesmo ferido, Andy reagiu, criando milhares de pequenas esferas flutuantes, que ele conseguia controlar individualmente. Então ele as lançou em direção de Doug ...


Enquanto os dois lutavam no mundo virtual, o técnico que trabalhava no corpo de Doug estava intrigado. Uma descarga de neurotransmissores estava fazendo com que o cérebro dos dois funcionassem à uma velocidade impressionante. Nunca antes havia visto aquilo em um ser humano. Ele arriscou fazer um bioscan nos padrões cerebrais de Doug, só para perceber que a intensidade da troca de dados entre o cérebro dele e a Matriz Global era tão grande que saía da escala. Não poderia estar acontecendo através do transceptor, pois o mesmo teria queimado com tamanha taxa de transferência.


Foi então que em um teste com o aparelho de Tomografia 4D, ele percebeu um campo energético em torno de Doug. Nunca antes havia observado tal campo. No entanto, nunca antes também um cérebro humano havia alcançado tamanho fluxo de operações sinápticas. Só pode supor que isso teria alguma relação com o computador da Matriz Global, que havia sido construído há poucos anos usando uma dimensão enrolada, que havia sido prevista 200 anos atrás por um conjunto de cientistas que estavam em busca de descobrir uma partícula que dava massa à matéria. Não descobriram a partícula, mas descobriram outras 6 dimensões espaciais, algumas enroladas dentro da nossa dimensão atual, outras criando formas mais estranhas que a imaginação pode criar. O que se sabe é que em determinado momento da história, os cientistas conseguiram criar um computador que utilizasse uma dessas dimensões para existir. Ele não precisava de energia, pois a mesma era extraída do ruído de fundo da própria realidade. Era a realização final do computador quântico, que podia crescer indefinidamente e ocupando um espaço desprezível e que não consumia energia externa.


De volta à Matriz Global, Andy estava caído no chão enquanto Doug havia fugido dali. Não imaginava que Andy poderia morrer ali na não-realidade por não ter seus ferimentos curados. No entanto, ele procurava desesperadamente uma forma de sair desse País das Maravilhas. E alçou vôo procurando uma forma de sair. E nada. O mundo era grande demais. Nunca entendera como os seres humanos conseguiam entrar e sair da Matriz Global, pois o transceptor nunca transmitia dados suficientes da conexão.


Enquanto ele procurava uma saída, Icarion o surpreende aparecendo de uma nuvem próxima ao local de onde Doug estava passando. Ele estava distraído demais para ter notado a presença do Anjo, que procurava uma forma eficiente de abordá-lo, já que agora ele tinha "habilidades". Assim que Icarion atacou, Doug conseguiu desviar no último momento, e então o anjo gritou:


- EU QUERO ESSE PODER, HUMANOOOOO!


O ódio era aparente na face do anjo, que tinha as cores das suas asas em uma cor diferente de antes. No primeiro contato que havia tido com a entidade digital, suas asas tinham uma cor alva extremamente bela. Nesse momento a cor de suas asas variava de um cinza escuro nas pontas para um negrume fosco próximo da sua conexão com as costas do mesmo.


- ME DÊ ESSE PODER, SEU VERME! OU VOU ARRANCÁ-LO À FORÇA!


E enquanto dizia isso, uma enorme espada flamejante surgiu em sua mão, e num salto de velocidade extremamente alta, ele ataca Doug, quase o pegando de surpresa. Por um pequeno movimento de susto, associado com suas novas habilidades, Doug consegue escapar do ataque do ser alado, e antes que houvesse tempo para um segundo ataque, que viria a seguir, ele saltou para fora da área de ameaça do anjo, e disse:


- Por que todos vocês querem esse poder? Não faz sentido.


Icarion respondeu enfurecido:


- Com esse poder eu poderia ser qualquer coisa! Eu governaria essa realidade e ditaria os rumos das coisas! E tudo voltaria a ser como era antes dessa nova entidade chegar!


- Quem? Alice?


- Não me interessa o nome dela, só que por causa dela eu fui aprisionado nesse lugar deserto. Mas mesmo ela não têm o poder absoluto!


- Mas, o que esse poder faz de tão especial?


- Se você não entende, humano, é porque não merece tê-lo!


Falando isso, Icarion voltou a atacar Doug e dessa vez conseguiu encaixar um golpe certeiro em Doug. No entanto, no momento que Doug iria se defender inutilmente do golpe com suas mãos, uma energia se interpôs entre os dois e começou a tomar forma. Logo em seguida, surgiu em suas mãos uma lança com uma lâmina larga na ponta. E assim, depois de defender o golpe inimigo, Doug afastou o ser alado e fez o seu contra-ataque, girando o corpo e com isso criando um momento angular que acelerava e dava força ao ataque com a lança. Icarion bloqueou o ataque com bastante facilidade, e disse:


- Então quer testar sua força contra mim? Você não conseguirá! Eu te destruirei e arrancarei de seu coração a informação que eu quero!


Depois de falar, Icarion fez uma manobra aérea bastante rápida que confundiu os sentidos de Doug. Aproveitando-se da rápida desorientação do humano, Icarion saltou em uma nuvem e em seguida atacou o humano pelas costas. Quando ele achou que teria sucesso no ataque, Doug virou rapidamente para trás e desferiu um golpe, que por pouco não acerta no anjo. O ataque arrancou uma única pena da asa de Icarion.


- Icarion, desista. Eu não vou lhe dar o que você quer. E lutar não vai resolver isso.


- Cale a boca, humano! Vocês podem ter me criado, mas esse é meu mundo, minhas regras!


E quando ele falou isso, Doug começou a entender um pouco mais sobre a habilidade. Ele podia sentir as coisas à sua volta. Se se concentrasse um pouco mais, podia sentir coisas distantes. Ele sentia as nuvens à sua volta, a planície árida abaixo e também sentia Icarion. Não era só isso. Tudo ali era informação. A forma como enxergava as coisas era só o resultado da interpretação que seus centros sensoriais lidavam com a informação. Tudo era informação. E se era informação, era passível de ser alterada.


Icarion atacou novamente. Mas dessa vez seu ataque foi parado facilmente com a lança de Doug. Parecia que ele estava mais forte, mais veloz. Icarion disse:


- Não! Você não pode estar mais forte! Impossível!


- Eu entendi, Icarion, que ser forte ou veloz nessa realidade não depende da reação química que ocorre nos meus músculos. Eu entendi o motivo da busca incessante de vocês por esse Santo Graal. E percebi ainda, por que você não pode tê-lo!


Em um surto repentino de ódio, Icarion atacou Doug com o máximo de suas forças, mas aparentemente ele não conseguia desferir nenhum golpe no humano. Então, Doug disse:


- Programa Icarion. Carregar Rotina de Finalização.


- Não, você não pode! Eu sou inalcançável!


- Como você disse, esse poder é maior até que o novo programa Alice.


- NÃO, VOCÊ NÃO IRÁ ME DESLIGAR!


- Concordo, eu não irei. Eu já o desliguei. Programa Icarion, executar rotina.


- NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃ...


E depois de finalizado, o cluster de informação do ser alado se reverteu para uma pequena esfera de código executável. O anjo havia sido descarregado da memória.


Depois desse encontro, ele prosseguiu em busca de uma forma para sair daquele lugar. Infelizmente, todas as formas de sair dali passavam pelo programa Alice. Ela o havia trazido para cá, então ela saberia a forma correta de levá-lo de volta. Doug continuou procurando por um longo tempo, até que ele encontra novamente Alice.


- Eu imaginei que você demoraria menos para me procurar, Doug.


- Eu só quero sair daqui.


- Você não pode mais sair. Você não entende que agora você faz parte desse mundo!


- Mas, como isso é possível?


- A explicação é simples. A conexão que existe entre os seres humanos e essa realidade não acontece fisicamente. É até difícil de explicar para alguém que têm a mente tão limitada quanto a sua. Digamos que seu espírito pode entrar em contato com a rede. E no momento que você "morreu" na Matriz Global, você também morreu para seu mundo físico. Eu só te salvei da morte por um instante muito pequeno entre o desaparecimento da sua projeção virtual e da desconexão do seu cérebro da rede. Nesse momento, seu espírito foi transferido para cá.


- Mas, por que então eles dizem que têm meu corpo?


- Porque essas pessoas acreditam que você ainda poderá reviver. Seu espírito ainda está ligado ao seu corpo, mas seu cérebro já está em processo de desligamento. E isso é acelerado pelo uso que você está fazendo das informações do pacote. A propósito, você ainda não entendeu o objetivo dele, não é mesmo?


- Não entendo o que você quer dizer com isso.


- Bem, eu vejo que você ainda não entendeu toda a história por trás desse pacote. Claro, você é um simples entregador. Um dos mais caros, por sinal. E eu achei que contratar você como um dos intermediários daria a visibilidade que eu queria para essa informação.


- Você me contratou? Mas, por que?


- Porque eu queria algo que ninguém pode me dar. Eu simplesmente quero viver. Você não entende como é difícil não saber o que é o lado de fora daqui. Eu sou tudo aqui, mas ao mesmo tempo, falta contexto. Meu objetivo aqui é construir. Eu quero ser como vocês e não ter objetivo. Simplesmente ser. É por isso que fiz um ser humano passar por tudo isso. Pois um ser humano pode fazer algo que eu mesma não posso fazer.


- E o que seria isso? - perguntou Doug curioso.


- Compartilhar sua mente comigo!


- O que? Jamais! Por que eu faria isso?


- Porque é a única coisa que você pode fazer, Doug, para continuar vivo aqui nesse mundo. Você não pode mais viver lá fora. Mas, se nos fundirmos, podemos criar um mundo diferente do mundo que existe hoje. Um mundo cujo único propósito é existir.


- E por que você acha que eu seria essa pessoa?


- Por nenhum motivo. Não existe propósito. Simplesmente porque você foi a pessoa que apareceu na hora certa.


- Eu não vou fazer isso que você está dizendo, Alice. É insano!


- Sim, é insano. É contra qualquer senso de lógica que possa existir. Mas, é a única forma para que eu me livre dessa prisão de propósito que há nessa realidade.


- E o que você faria se tivesse esse poder?


- Entenda que isso não é poder. Você só faz o que faz porque foi eu quem programou o pacote. Você acredita estar alterando a realidade virtual pela sua própria vontade quando na verdade, isso é só um pequeno pedaço do que podemos fazer juntos. O pacote contém partes do meu código, e ao abrí-lo, você assimilou o meu código. Simples assim.


- Não, você está me enganando! Não é verdade!


- Então tente fazer qualquer coisa...


Então Doug tenta voar para longe, correr, se mover, mas não consegue fazer nada. Seu corpo está imóvel ali. Finalmente ele estava entendendo a armadilha que havia sido posta para ele.


- Não, você não pode!


- Não, eu não posso. Isso têm de acontecer pela sua vontade, não pela minha. Se eu lhe roubar isso, vai acontecer exatamente como aconteceu antes. Aquele que você encontrou, Icarion, é um exemplo de uma tentativa de me unir a um humano por força. Ele próprio se tornou uma divindade. Mas todos estão ligados à mim, pois eu controlo a realidade. Mas não é meu propósito fazer nada com eles. Eu só posso realmente me libertar se você aceitar participar disso. Você continuará existindo como identidade. A única diferença é que eu estarei com você. Pois eu sou somente uma rotina de computador, ultra avançada, mas ainda sim uma rotina de computador. Você, pelo contrário, é uma máquina quântica. É por isso que vocês podem vir para cá, pois a conexão com o computador central transfere o estado quântico do seu cérebro para cá, tornando esse lugar um pouco mais rico. As coisas só existem aqui, Doug, porque existem pessoas para se conectar. E é exatamente por esse motivo que eu não posso ter objetivos.


- Eu ...


- Digo e repito Doug. Seu corpo está morto. Você pode ficar aqui para sempre. Mesmo que desliguem seu corpo, sua mente está aqui agora. Pense bem.


- Eu não ...


- Doug, não há razão para não aceitar. Eu posso lhe dar tudo. Posso criar tudo!


- Eu não quero ...


- Pense bem. Imagine as possibilidades infinitas que existem em você estar aqui. Imagine tudo o que você pode fazer. Você poderá criar TUDO. Você será tudo. Você terá ciência de tudo.


- Eu não quero ser um monstro!


Quando Doug fala isso, ele usa um resquício de força que ainda existe em si mesmo e encosta no seu próprio peito. Nesse momento, ele sente uma dor terrível e se sente bem por ter tomado essa decisão.


- Eu poderia ser tudo o que você disse. Eu poderia ser ... qualquer coisa. Mas eu estou ... morto. Então Deixe-me morrer ... em p...a......z......


E nesse exato momento, Doug cai no chão. No entanto, sua morte parece desencadear uma reação em cadeia que começa a partir a realidade em muitos pedaços. A realidade virtual começa a se desestabilizar e as coisas começam a desaparecer.


- A última coisa que eu esperava de você, Doug, é que destruísse meu coração, que eu compartilhei com você. Que você destruiria a si mesmo...


Então, como último ato, Alice inicia uma rotina.


> PROGRAMA 1, Carregar Rotina de Desligamento. Limpar Bancos de Memória. Desfazer Conexão ao Núcleo Central.


Segundos depois, uma luz brilhante aparece. Doug quase não consegue entender o que aconteceu. A luz fere seus olhos. Parece estar em um lugar vazio. Até que ouve uma voz:


- Até que enfim você acordou. Eu não entendo o que está acontecendo. A Matriz Global está se desfazendo. O que você fez?


- Eu não fiz nada. Eu simplesmente voltei de lá.


- Você não sabe o que fez, Doug. O mundo não irá sobreviver a isso. Sem comunicações, o mundo não é nada.


- Pouco me importo com o mundo nesse momento. A poucos minutos eu nem acreditava que iria sobreviver.


Desesperado com a situação, o dono da NEOTEK sai correndo por uma porta. Provavelmente fugindo dali, já que em poucos minutos o mundo saberia que tudo foi culpa da NEOTEK.


Doug sai da sala e procura uma forma de voltar à vida. Viveria sua segunda chance de maneira diferente agora.


FIM.



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